"Memórias de chumbo"- Futebol nos tempos do Condor.
Eu vou contar para o meu filho.
E quando ele morrer?
Ele conta para o filho dele.
É assim: ninguém esquece.'
Kalé Maxacali- Índio da aldeia de Mikael (MG)
Foi a partir desta repetida sentença que se iniciou essa história. A necessidade de sair e ir além desta óbvia formulação. Responder a diversas questões. O quanto o futebol foi utilizado pela ditadura militar no Brasil? Como? Quem? Em que momento foi mais utilizado? A que nível de utilização, vigilância e controle o regime militar chegou sobre a maior paixão dos brasileiros?
Foram meses de um mergulho profundo. Incontáveis idas e pesquisa nos mais diversos arquivos. Arquivo Nacional (Rio e Brasília), Arquivo do Estado de São Paulo, Arquivo do Estado do Rio de Janeiro. Contatos com quem já vinha pesquisando o período. Dezenas de entrevistas. Horas de gravações. Bibliografia sobre o tema vista e revista.
No decorrer deste caminho, a certeza de que era preciso ampliar o foco. Como se sabe, existiam pontos em comum, receituários e ações conjuntas entre diversas ditaduras do continente. Desde a década de 60 até culminar com a multinacional do terror, a Operação Condor. O futebol não esteve fora desse receituário de ações e modo de agir comum dessas ditaduras.
A certeza de que era preciso ir além do Brasil para contar essa história gerou 'Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor', em quatro capítulos: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil, que vai ao ar na ESPN Brasil entre os dias 18 e 21 de dezembro, nessa exata ordem.
Um trabalho, com o perdão da auto-referência, ambicioso e pretensioso. Afinal, se não fosse assim, melhor nem começar. Ou traria novas respostas e olhares ou ficaríamos na velha frase-chavão. A pretensão era maior no caso brasileiro. Jogando em casa, a obrigação é sempre maior. Seria pretensão demais chegar de passagem ao país dos outros e descobrir histórias bombásticas. Ainda assim, no capítulo Argentina temos a confirmação, décadas depois, de histórias sobre as quais murmuravam-se coisas, mas não batia-se o martelo.
No caso brasileiro, esse mergulho profundo me faz ter certeza de algumas respostas para tantas perguntas. Muitas revelações absolutamente novas e provavelmente bombásticas estão ali. A quantidade de apuração conseguida me fez em algum momento achar que tinha um livro em mãos a ser publicado. Mas depois que Mário Magalhães lançou o espetacular "Marighella", botei a viola no saco. O novo parâmetro de exigência diante da obra passou a ser muito alto. É preciso um pouco de cara de pau para publicar algo depois de "Marighella". Seguiremos o trabalho mesmo depois da exibição.
Aliás, esse é um ponto importante nessa história. Somos muitas vezes arrogantes nesse ofício de jornalista. Achamos que nossos trabalhos esgotam assuntos. 'Memórias do Chumbo - O Futebol nos Tempos do Condor' é pretensioso por outras razões já descritas acima. Mas não por essa. Esse trabalho gostaria muito de, quem sabe, ser um clique para que muitos outros venham, de todos os lados. Jornalistas, pesquisadores...
Nesses meses de pesquisa e mergulho, muita coisa sobrou. Ligadas ao tema de certa forma e que não couberam no tempo de um capítulo ou mesmo coisas do arquivo que saltavam aos olhos e tinham que ser resgatadas do sono profundo no fundo de uma pasta.
Acima de tudo, um sentimento comum passa por todo o trabalho, por todos os capítulos: é preciso contar essas histórias. Mais, muito mais do tanto que já são contadas. É preciso contruir a memória desse tempo vergonhoso do Brasil. Ao contrário do que alguns tentam passar, só contando é que passaremos por elas. Acima de tudo, se algo pode resumir tal sentimento, é a expressão que tanto ouvi nessas andanças pela nossa América: NUNCA MAIS!
MEMÓRIAS DO CHUMBO- O FUTEBOL NOS TEMPOS DO CONDOR
Quando: De 18 a 21 De dezembro
Reportagem, roteiro e produção: Lúcio de Castro
Imagens: Luís Ribeiro e Rosemberg Farias
Edição: Fábio Calamari e Alê Vallim
Narração: Luís Alberto Volpe
Arte: Stela Spironelli
Chamadas: Rodrigo Takigawa